Na prática judiciária, em decisões judiciais de 1.ª instância e em promoções e recursos do Ministério Público, vem fazendo curso a posição de que as medidas de coacção especiais urgentes de proibição de contactos com a vítima e de frequência de certos lugares (art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009) não estão sujeitas a quaisquer prazos máximos de duração, nomeadamente aos previstos no art. 215.º, n.º 2, do CPP (ex vi art. 218.º, n.º 2, do CPP) para as medidas de coacção homólogas estabelecidas pelo art. 200.º, n.º 2, do CPP). Medidas de coacção especiais essas que, portanto, desse ponto de vista, poderiam como que eternizar-se no processo, fosse qual fosse a sua duração e independentemente da observância dos prazos de duração máxima das diversas fases processuais que o Código prevê. Algo que, diz-se, sempre seria contrabalançado pela aplicabilidade das normas relativas à revogação e substituição das medidas de coacção constantes do art. 212.º do CPP.
Para sustentar essa ilimitação invoca-se o disposto no art. 35.º, n.º 5, da Lei n.º 112/2009, de acordo com o qual “à revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam-se as regras previstas nos artigos 55.º a 57.º do Código Penal e nos artigos 212.º e 282.º do Código de Processo Penal”. Norma que é associada a uma intencionalidade de protecção reforçada das vítimas de violência doméstica, que, quanto a este específico ponto, seria como que uma ilha processual que desconheceria princípios constitucionais basilares em matéria de restrições de direitos fundamentais das pessoas mediante aplicação de medidas de coacção processuais penais como o princípio da proporcionalidade e o princípio da precariedade.
Na doutrina, Vítor Sequinho dos Santos e Ana Mafalda Sequinho dos Santos (in: Medidas de Coacção, 2020, e-book do CEJ, p. 80 e 147, respectivamente), pronunciam-se no sentido da imposição de um prazo máximo a estas medidas de coacção especiais previstas no art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, o previsto nos arts. 215.º, n.º 2, e 218.º, n.º 2, do CPP. Foi essa igualmente a conclusão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.11.2022 (Proc. 983/21.7PBAVR-A.P1). Entendendo, correctamente, que o art. 35.º da Lei n.º 112/2009 nada dispõe acerca da duração daquelas medidas de coacção, a Relação apelou ao previsto no art. 3.º do CPP, que manda aplicar as disposições do Código aos processos de natureza penal regulados em lei especial. Uma aplicação subsidiária que só não terá lugar se for contrariada por alguma disposição legal especial. Ora, o certo é que o art. 35.º, n.º 5, da Lei n.º 112/2009 tem que ver apenas com os termos em que se poderão manter as medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância, nessa medida ligando-se não à duração da medida propriamente dita, mas antes aos respectivos meios de controlo.
Nada faz supor que o legislador tivesse querido afastar destas medidas de coacção de proibição de contactos e de frequência de lugares princípios constitucionais relativos às medidas de coacção como são os da proporcionalidade e da precariedade. Mal se compreenderia, na verdade, que tais princípios fossem derrogados numa matéria tão sensível para os direitos fundamentais como é a dos prazos de duração das medidas de coacção de forma tão enviesada, através de uma norma que dificilmente consente uma leitura que a ligue a tal matéria e não possui, por isso, a densidade que sempre se deverá exigir às ingerências estaduais na esfera dos direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas.
Só pode assim saudar-se o freio que a Relação do Porto, naquele Acórdão de 16.11.2022, colocou à tese, sem base legal e incompatível com os ditames constitucionalmente estabelecidos para a restrição de direitos fundamentais, da ilimitação da duração das medidas de coacção urgentes especialmente previstas na Lei n.º 112/2009. Tal como todos os demais, também os processos relativos a crimes de violência doméstica devem enfim subordinar-se incondicionalmente aos princípios constitucionais que dão corpo à ideia de Estado de Direito.